Há no Rio de Janeiro uma instituição de respeito chamada Retiro dos Artistas. Um espaço digno, que acolhe profissionais da arte em situação de vulnerabilidade, oferecendo moradia, cuidados médicos, alimentação e atividades culturais. Um lugar de amparo e memória.
Em São Paulo, no entanto, formou-se outro tipo de “retiro” — este midiático, vaidoso e movido por uma nostalgia mal administrada: Band e agora SBTtransformaram-se no Retiro dos Artistas Paulista, um albergue televisivo onde ex-globais em fim de linha depositam a esperança de que ainda são sinônimo de audiência.
A Band foi pioneira nesse processo de transformação em asilo midiático. Abrigou Faustão, que saiu da Globo com pompa, pose de intocável e muito magoado — para descobrir que, na emissora da família Saad, a faixa etária do público é menor do que a audiência.
Galvão Bueno, com toda a sua empáfia, tentou recriar uma “central de emoções” no horário nobre e encontrou zero de média de audiência em todas as segundas-feiras à noite, com o seu Galvão e Amigos. Um fracasso tão unânime quanto o bordão “haja coração”, só que sem replay.
Zeca Camargo foi outro ex-global que passou por mais programas na Band do que pontos no ibope: Zeca Pelo Brasil, 1001 Perguntas, Band Verão, Musical na Band, Melhor da Noite — uma maratona de títulos e um deserto de relevância. Até o Google precisou ser acionado para lembrar a lista, porque o espectador certamente não lembrava de nenhum.

Não dá para esquecer de Otaviano Costa, que chegou à Band com ares de “reforço estratégico” e saiu pela porta dos fundos antes mesmo de decorar o caminho para o seu camarim. Saiu antes de chegar. Assumiu o interminável Melhor da Noite, um programa que já havia passado de mão em mão como quem passa um problema adiante. Estreou em março, se despediu em setembro e, no meio disso, descobriu que a Band não sabia o que queria do programa — e talvez também não soubesse o que fazer com ele. Saiu dizendo que se sentia negligenciado pela emissora. O pelo público também.
E, agora, o SBT — sempre com um olfato apurado para perder oportunidades — decidiu disputar espaço nesse elevador rumo ao ostracismo. Boninho e Tiago Leifert, ex-patrões da audiência na Globo, surgem como troféus de guerra da emissora de Silvio Santos. Acreditaram que bastava trocar de CNPJ para que a relevância os acompanhasse. Mas, como diria a velha máxima da programação: eles acharam que levavam a audiência com eles. Descobriram que a audiência ficou na Globo — e nem deixou bilhete de despedida.
A estreia do The Voice Brasil no SBT foi uma aula pública de realidade. O programa, que deixou a Globo por baixa rentabilidade comercial e desgaste de formato, reapareceu na nova casa com Boninho na produção executiva e Tiago Leifert no comando. O SBT mudou o horário do programa do Ratinho, vice-líder de audiência, e o The Voice caiu para o terceiro lugar no horário.
O musical, dirigido por Boninho e apresentado por Tiago Leifert, foi um fracasso já na estreia, com bem menos audiência do que alcançava o programa do Ratinho— e quase perdeu para o programa No Alvo, que era apresentado por uma Inteligência Artificial. No SBT, até a IA quase deu mais audiência do que Tiago Leifert e Boninho. O algoritmo está rindo até agora.

O reality musical de Boninho e Tiago Leifert marcou 3,75 pontos de média, contra os 17 pontos da última temporada do The Voice exibida na Globo. Não reteve nem o público herdado de Dez ou Mil e sequer encostou na Record, que exibia a sofrível A Fazenda no mesmo horário e que venceu com tranquilidade. Há um dado quase cômico que merece registro: o SBT tentou ser “estratégico” e exibiu o The Voice logo após a morte de Odete Roitman, na reprise de Vale Tudo na Globo. Nem assim. A Globo matou Odete Roitman de novo — e, de tabela, o ibope do SBT.
Enquanto Band e SBT reciclam nomes e formatos envelhecidos como se estivessem garimpando glória em ferro-velho, a Globo segue operando como indústria de comunicação. No evento Upfront 2026, a emissora carioca apresentou um pacote robusto de conteúdo multiplataforma: o retorno da Fórmula 1 com cobertura total, Eliana com programa nacional aos domingos, BBB com casas de vidro simultâneas espalhadas pelo país, novelas inéditas, séries originais com produção em estúdio virtual, cinema próprio com tecnologia de ponta e transmissão em 4K no Globoplay. Não é apenas grade de programação — é projeto estratégico.
A Globo planeja e produz para várias telas. Band e SBT reciclam o que a Globodescartou. A Globo tenta criar uma linguagem. Band e SBT colecionam ex-funcionários da emissora carioca.
A diferença é simples: a Band — e agora o SBT — acolhem estrelas com o ego ainda em pé, mas com a relevância já deitada. O verdadeiro Retiro dos Artistasacolhe quem precisa de cuidado e dignidade. O Retiro dos Artistas Paulistaacolhe quem precisa de holofote e negação da própria fase. Um é instituição. O outro é sintoma. Os ex-globais acreditaram que o crachá dava ibope. Descobriram que crachá não dá audiência — grade dá.
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