Porto de Santos: Leilão Bilionário com Empresas Globais Excluídas

Porto de Santos

Expansão do Porto de Santos é um planejamento de longo prazo que representa o fortalecimento da infraestrutura portuária e estimula o crescimento econômico

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O Porto de Santos, o maior da América Latina, está prestes a ser palco da maior licitação portuária da história do Brasil: o Tecon 10, um mega terminal de contêineres avaliado em R$ 5,6 bilhões, que promete aumentar em 50% a capacidade do porto, hoje operando no limite.

Um ativo estratégico para a economia brasileira e crucial para o comércio internacional. De acordo com projeções do setor, caso não sejam realizados investimentos em expansão, o terminal deverá atingir sua capacidade máxima para movimentação desse tipo de carga até o ano de 2028.

Por esse motivo, só a notícia da construção desse mega terminal já deveria gerar otimismo no setor logístico — se não viesse acompanhada de uma série de decisões, no mínimo, controversas. O maior leilão portuário do Hemisfério Sul já nasce cercado de polêmicas, suspeitas e decisões que, no mínimo, cheiram muito mal.

Quando se diz que o Brasil não perde uma chance de perder oportunidades, não é força de expressão. Pois, como quase tudo por aqui, o que deveria ser uma licitação transparente, aberta e altamente competitiva corre sério risco de se transformar em um jogo de cartas marcadas.

O diretor-geral interino da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Caio Farias, decidiu propor uma regra, no mínimo, curiosa: “as quatro operadoras que já atuam no Porto de Santos — TIL MSC, APM Terminals Maersk, DP World e Santos Brasil — estão proibidas de participar da primeira fase do leilão”.

Ainda segundo a regra imposta pela ANTAQ, essas quatro operadoras “só entram na disputa se, por acaso, ninguém mais aparecer. E, se vencerem, ainda terão que renunciar aos ativos que já possuem no porto antes de assinar o contrato do novo terminal”. Ou seja: quem entende do assunto é gentilmente convidado a assistir da arquibancada — porque no Brasil competência, às vezes, é só um detalhe inconveniente.

As maiores empresas do setor não poderão participar?

E quem são essas operadoras que não poderão participar dessa licitação? Três das maiores operadoras globais, com terminais espalhados pelos cinco continentes, e a Santos Brasil, uma operadora focada no mercado brasileiro, com atuação concentrada principalmente no Porto de Santos, no terminal Tecon Santos — o maior terminal de contêineres da América do Sul.

As outras empresas são: a TIL MSC, que opera mais de 70 terminais no mundo; a APM Terminals Maersk, com presença em cerca de 60 portos globais; e a DP World, que administra mais de 90 terminais em mais de 60 países. Essas companhias movimentam volumes anuais na casa de 50 a 80 milhões de TEUs.

TEU (Twenty-Foot Equivalent Unit) é a unidade de medida padrão na indústria marítima para calcular a capacidade de carga de navios. Movimentar de 50 a 80 milhões de TEUs anuais significa transportar o equivalente a 50 a 80 milhões de contêineres de 20 pés de comprimento por ano.

Porto de Santos Navios

O Porto de Santos, maior complexo portuário do país e principal corredor do comércio exterior brasileiro, já opera com 90% da capacidade instalada em seus terminais de contêineres.

A pergunta é inevitável: isso é proteção à concorrência ou engenharia de mercado? Porque, na prática, a regra tira do caminho quem tem dinheiro, quem tem estrutura, quem tem expertise e quem sabe, de fato, operar um terminal desse porte.

Esse modelo de licitação proposto pela ANTAQ vai na contramão do que acontece nos maiores portos do mundo. Globalmente, a tendência é exatamente a oposta: a verticalização. Armadores — as companhias de navegação — cada vez mais operam seus próprios terminais de contêineres. É assim em Cingapura, na China, nos Estados Unidos, na Europa.

E não estamos falando de migalhas. Quem vencer esse leilão vai assumir um projeto que só começa a operar em 2029 e que deve alcançar sua plena capacidade apenas em 2034. Um investimento de longuíssimo prazo, que exige músculo financeiro pesado e altíssimo grau de conhecimento técnico — ou, em outras palavras, tudo aquilo que aparentemente virou critério eliminatório por aqui.

Governo Lula não basta ser honesto, tem que parecer honesto

Porto de Santos e o Governo

O presidente Lula participou, no dia 29 de maio, da cerimônia de retomada das operações do Porto de Itajaí, no litoral de Santa Catarina. O evento contou com discurso do empresário Wesley Batista, dono da JBS. As operações no local são conduzidas pela JBS Terminais, por meio de um contrato de concessão temporária.

Mas, por algum motivo inexplicável — ou explicável até demais —, a ANTAQ acha que seria prudente excluir logo de cara quem mais entende do assunto. O discurso é bonito: evitar concentração de mercado. A prática, porém, soa como uma bela desculpa para abrir caminho a quem não teria a menor chance em um processo competitivo real, onde todos pudessem disputar em igualdade de condições.

E quem sobra na pista? Para autoridades do setor, apenas poucos e seletos nomes: a JBS Terminais, a chinesa COSCO e a filipina ICTSI. Não precisa ser especialista em leilões, nem em portos, para entender quem está de olho no pedaço mais nobre do Porto de Santos.

E deixa a pista livre para players que, curiosamente, até ontem mal tinham presença relevante em Santos — como, veja só que surpresa, a JBS Terminais. Sim, ela mesma: a JBS que, com a maior discrição do mundo, começou a montar sua operação portuária no Brasil, primeiro ali em Itajaí, Santa Catarina, e agora, sem nenhuma pretensão grandiosa — imagina! —, estaria de olho justo no filé dos filés: o Tecon 10.

Porto de Santos vem depois de Itajaí

O governo do presidente Lula é um governo que vive repetindo o mantra de que não basta ser honesto — é preciso parecer honesto. Pois bem. Poucas coisas parecem menos honestas, menos transparentes e mais direcionadas do que esse modelo de licitação.

Se o governo quer mesmo demonstrar lisura e compromisso com a concorrência, o caminho é simples: abrir o jogo. Deixar todo mundo participar. E que vença quem oferecer mais, quem tiver melhores condições técnicas, operacionais e financeiras.

Uma etapa importante desse início de certame está marcada para quinta-feira, 5 de junho, na reunião da diretoria colegiada da ANTAQ. Até lá, resta saber se vamos assistir a um leilão histórico — ou a mais um capítulo do velho teatro brasileiro, onde o final a gente já conhece.

O processo foi enviado pela ANTAQ ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), que, por sua vez, o encaminhou ao Tribunal de Contas da União (TCU). A corte deverá se pronunciar sobre o formato do edital até agosto, segundo o cronograma do leilão divulgado ainda na audiência pública.

O Ministério Público, que atua junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), apresentou uma representação pedindo a suspensão da licitação, após a formulação do edital da ANTAQ, que restringe a participação de operadores já ativos no Porto de Santos no leilão do novo terminal. O TCU analisou o pedido e decidiu não suspender a licitação.

O futuro do Tecon 10 e da expansão do Porto de Santos agora depende dos desdobramentos no TCU e das decisões que serão tomadas pela ANTAQ nas próximas semanas. O mercado aguarda com expectativa se haverá correções no edital para garantir uma disputa justa, transparente e realmente competitiva. 

Caso contrário, o risco é transformar um projeto estratégico para o país em mais um episódio de controvérsias e questionamentos. A definição desse processo será determinante não apenas para o futuro do porto, mas também para a credibilidade das licitações públicas no Brasil. O que está em jogo vai muito além de um terminal: é o modelo de desenvolvimento que se quer para a infraestrutura nacional.

Comentários

  1. Avatar de Aloísio Nascimento
    Aloísio Nascimento

    Alberto Luchetti,
    É vergonhoso que esta licitação bilionária para expansão do Porto de Santos seja claramente dirigida para amigos do governo petista. Aliás, amigos com ligações muito fortes não apenas no executivo, mas também nos poderes judiciário e legislativo. Quando se diz que “não basta ser honesto…é preciso parecer honesto”, lembramos também que “pau que nasce torto não tem jeito…morre
    torto”. Seu artigo é contundente, revelador, e precisamos acreditar que o alerta possa acender a luz vermelha para sustar esta negociata. Fora disso, salve-se quem puder. Os malandros continuarão malandros, e impunes.

  2. Avatar de Aloísio Nascimento
    Aloísio Nascimento

    É vergonhoso dirigir claramente um processo licitatório – bilionário neste caso- aos amigos do governo petista. Aliás, amigos com tentáculos muito grandes nos 3 poderes desta frágil república. Se “ não basta ser honesto…é preciso parecer honesto”, vamos lembrar também que “pau que nasce torto não tem jeito…morre torto”. Resta esperar que seu alerta acenda a luz vermelha (vergonha) para sustar mais esta negociata.

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