Rodrigo Bocardi foi injustiçado e cometeu o Pecado de Não Ser da Família Marinho

Rodrigo Boccardi

O Grupo Globo presidido por João Roberto Marinho e a TV Globo comandada por seu sobrinho Paulo Marinho fazem valer o compliance – as normas éticas da emissora – só para os funcionários. Os donos da Globo e seus familiares podem fazer o que bem entenderem. Com ou sem ética.

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Muito se falou sobre a demissão de Rodrigo Bocardi. Ele foi acusado de, em paralelo ao trabalho na emissora, prestar serviços de comunicação para uma empresa que atende contas públicas, incluindo prefeituras da região da Grande São Paulo.

Teria ainda prestado serviços de consultoria, apresentação de eventos e media training para o Bradesco sem informar a direção da Globo. Embora essa atividade executada por Rodrigo Bocardi possa parecer inofensiva, esse serviço praticado por profissionais da Globo é considerado proibido pelo código de ética definido pela Vênus Platinada.

Em suma, o código de ética do Grupo Globo determina que seus integrantes não devem exercer atividades remuneradas ou não, em organizações que tenham objetivos conflitantes com as diretrizes e os princípios estabelecidos por esse “código de conduta”. A Globo entende que isso pode comprometer a imagem de neutralidade do veículo de comunicação.

É nesse compliance, nesse código ético de conduta da Globo, que está a injustiça contra Rodrigo Bocardi. Quem acaba definindo, no final da análise de conduta, o destino do profissional da Rede Globo, é o presidente do grupo João Roberto Marinho, filho e herdeiro do criador Roberto Marinho, ou o comandante da Globo, Paulo Marinho, herdeiro do herdeiro. Filho de José Roberto e neto de Roberto Marinho.

São esses dois Marinhos, que assumiram e administram o patrimônio deixado por Roberto Marinho, que acabaram demitindo Rodrigo Bocardi por tudo o que se especula que ele fez, grave ou não. Mas quem são esses dois sucessores da família Marinho. Eles passaram pelo compliance? Foram submetidos alguma vez ao código de ética e de conduta do Grupo Globo? Ou herdeiro não precisa ser ético e ter conduta ilibada?

A família Marinho vendeu em 2003 quatro emissoras afiliadas da TV Globo para o jornalista e empresário de futebol, J. Hawilla que criou a TV TEM nas cidades de Bauru (TV Modelo) Itapetininga (TV Itapetininga), São José do Rio Preto (TV Progresso) e em Sorocaba (TV Aliança Paulista). E em 2009, os Marinhos venderam também para J. Hawilla, o jornal Diário de S. Paulo e todo o parque gráfico, localizado em Osasco.

Além da venda das emissoras para J. Hawilla, em 2003, João Roberto Marinho, presidente atual do Grupo Globo e seu sobrinho, Paulo Marinho, comandante da Globo, ficaram sócios de emissoras da TV TEM. Sócios de J. Hawilla que em 2001 já estava envolvido nas falcatruas da CBF – Confederação Brasileiro de Futebol – que era investigada na CPI da Nike, instaurada na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Mas o mais grave estava por vir. Em 2013, J. Hawilla foi preso pelo FBI, nos Estados Unidos, e condenado por extorsão, conspiração por fraude eletrônica, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.

Hawilla se tornou principal delator do escândalo conhecido como FifaGate, sobre corrupção na compra de direitos de transmissão de torneios esportivos. No Brasil, a Rede Globo tinha os direitos exclusivos das transmissões desses eventos. Na delação, Hawilla se comprometeu a pagar US$ 151 milhões (R$ 551 milhões) para aguardar a sua sentença, que o condenou, em liberdade.

Segundo o departamento de Justiça dos Estados Unidos, as empresas de TV pagavam à empresa Traffic de marketing esportivo, que pertencia a J. Hawilla e que conseguia os direitos de comercializar as transmissões, e depois repassava uma “comissão” aos cartolas. As propinas ocorreram durante quase 25 anos e envolveram jogos da Copa América, da Libertadores da América e do torneio Copa do Brasil, segundo os investigadores dos EUA.

Nada disso a TV Globo noticiou no Jornal Nacional sobre seu parceiro J.Hawilla. Como também só emitiu uma nota sobre a demissão de Rodrigo Bocardi, onde afirma que o compliance apurou que houve por parte do profissional Bocardi um comportamento que teria comprometido a imagem de neutralidade do Grupo Globo.

Neutralidade é a postura da Globo e da família Marinho quando há conveniências. Hawilla foi diretor de esportes da própria Rede Globo, em São Paulo, e já nessa época, comercializava placas de publicidade em estádios. O código de ética da empresa nada fez. E Hawilla continuou funcionário da empresa. 

Em 2003 Hawilla compra as emissoras afiliadas da Globo. Em 2009, compra o jornal do Grupo Globo e vira sócio da família Marinho. E continua nessa parceria, mesmo com suspeitas de envolvimento em corrupção no futebol. Nada de compliance e nem de códigos de ética e de conduta.

Em 2010, Hawilla monta uma produtora, a TV7, num prédio ao lado da Traffic, na Rua Bento Andrade, Zona Sul de São Paulo e passa a produzir para a TV Globo os programas Auto Esporte e Pequenas Empresas, Grandes Negócios.

Esses grandes negócios da Globo nunca passaram pelo compliance, nem pelo código de ética e pelo código de conduta. Muito menos os negócios do patriarca da família, Roberto Marinho. Além da ligação com os governos militares durante o Golpe de 64 – que impulsionaram a Rede Globo financeiramente – há transações comerciais da família Marinho que fazem de Rodrigo Bocardi um monge beneditino de clausura monástica.

Roberto Marinho costumava reunir a alta sociedade carioca para festas de Réveillon no seu triplex na Avenida Atlântica, 2.072, em Copacabana. O triplex foi vendido, antes ou depois da morte do patriarca Marinho, que ocorreu em agosto de 2003. Mas até lá toda a cúpula da Rede Globo desfrutou da visão dos fogos de artifício que explodiam para festejar o novo ano na baia de Guanabara.

Mas, em 2007, numa blitz espetaculosa da polícia, com helicóptero e policiais descendo por corda para acessar o triplex, as imagens da própria polícia registravam um beija flor colorido desenhado no fundo da piscina no andar que os policiais desceram.

A Polícia foi prender o novo dono do triplex, o bicheiro Aniz Abraão, patrono da Escola de Samba Beija Flor de Nilópolis. Aniz Abraão, que comprou o triplex que era de Roberto Marinho, foi preso por envolvimento com o jogo do bicho, contrabando e lavagem de dinheiro. O compliance da Rede Globo e os códigos de ética e de conduta da empresa nunca registraram nada sobre essa transação comercial da família Marinho.

A injustiça do Grupo Globo contra Rodrigo Bocardi, um simples funcionário, conhecido apenas por sua exposição diária nas transmissões da própria emissora de televisão, demonstra a necessidade da família Marinho querer passar um comportamento vestal, depois de tantas práticas condenáveis e inadequadas.

Comentários

  1. Avatar de Antenor Antônio Braido
    Antenor Antônio Braido

    É. A história foi cruel com o Bocardi. Que não tem compliañce. A Globo usou esse canhão contra um simples trabalhador. E o mundo jornalístico ficou chocado. Os telespectadores, em sua grande maioria,
    nem sabem que diabo é esse. A história é cruel com as injustiças. E cedo ou tarde vem a conta. A vida é como um restaurante. Ninguém sai sem pagar a conta.

  2. Avatar de Flávio n c chaves
    Flávio n c chaves

    Muito lúcida e importante a matéria do autor! Parabéns

  3. Avatar de Paulo Pontes
    Paulo Pontes

    A Globo e seus podres sendo desmascarados aqui. Mas a Familia Marinho continua jogando para baixo tapete. Quem sabe daqui a 50 anos ela venha pedir desculpas do que fez

  4. Avatar de Rogerio Brandao

    Pois é , meu caro Luchetti, o código de ética da Globo é seletivo. Na década de 1990 a Rede Globo, por meio do Boni, tomou de assalto a programação inventiva da pequena TV Gazeta, que crescia em audiência local, e aos olhos do Boni tornava-se um embrião perigoso para a programação local da TV Globo. A operação consistiu em alugar o 13o andar do prédio da Fundação Cásper Líbero, instalar seu novo transmissor, carregar o sinal da TV Gazeta e em troca, assumir a programação da emissora para faturar e desconstruir uma programação que crescia e atendia os interesses dos paulistanos, além de repassarem para a Globo a clássica Corrida de São Silvestre, inclusive alterando seu horário noturno para vespertino, para vender o evento para outros países. O próprio Boni admitiu em reunião que “a ideia era fazer a Rede Manchete – que roubava a audiência da Globo com a novela Pantanal – atirar para dois lados, e matar no ventre a programação local da Gazeta.” A direção da TV Gazeta entregou a emissora para a Globo que colocou alguns de seus executivos para administrar a programação desmontando programas como TV Mix, Clip Trip, Paulsita 900, e Vamos Sair da Crise . Não bastasse programaram desenhos animados, refugos pagos pela Globo, no horário nobre da emissora paulistana. A TV Gazeta, após essa aventura, nunca mais se recuperou. Esse fato, gritante de uso de poder financeiro, jamais passou pelo código de ética e sequer foi noticiado na grande imprensa. Brizola tinha razão, “o problema do Brasil é a cumplicidade.” rs

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