Desde que o governador Tarcísio de Freitas afirmou, em maio de 2024, durante um evento em Nova York organizado pelo banco Itaú, que o Primeiro Comando da Capital (PCC) controlava 1.100 postos de gasolina em São Paulo e começava a comprar usinas de etanol, o discurso oficial do governo paulista parece ter se transformado em um grande “tudo é PCC”. A facção criminosa passou a ser a explicação para quase tudo que ocorre no Estado — da alta do combustível ao contrabando de vinhos, das queimadas no interior às fraudes digitais.
Na ocasião, Tarcísio declarou que o crime organizado estava chantageando produtores e manipulando o preço da cana-de-açúcar. Prometeu uma operação policial de grande escala para conter o avanço dos criminosos. Passados dezoito meses, nenhum desses 1.100 postos de gasolina foi identificado. O máximo que se viu foi a Operação Carbono Oculto, do Ministério Público, que apontou cerca de 300 postos envolvidos em adulteração de combustível e que eram suspeitos de lavagem de dinheiro para o PCC. A dúvida que permanece é simples: seriam esses parte dos 1.100 postos citados pelo governador, ou o número agora já teria subido para 1.400?
O fato é que, até hoje, Tarcísio de Freitas não apresentou provas concretas de sua denúncia. Enquanto isso, o discurso sobre o PCC se expandiu, abarcando uma lista de atividades quase enciclopédica: tráfico de drogas, contrabando de combustíveis, cigarros, madeira, veículos, minérios, além de participação no mercado imobiliário, em agências de artistas e jogadores de futebol e, mais recentemente, em crimes cibernéticos e criptomoedas.

O governo paulista, no entanto, não tem conseguido mostrar resultados efetivos no combate a essa criminalidade tão multifacetada que ele mesmo descreve. A promessa de endurecimento virou retórica, enquanto o orçamento destinado ao enfrentamento do crime organizado diminui. Para 2026, a proposta orçamentária do governo prevê R$ 325,8 milhões para ações de combate direto — menos da metade dos R$ 666,4 milhões reservados no ano anterior. Ou seja, quanto mais o discurso se intensifica, menos recursos há para o enfrentamento real.
Curiosamente, quando surgem casos que poderiam ser enquadrados nessa lógica de “tudo é PCC”, como o recente escândalo das bebidas adulteradas com metanol, o governador e sua equipe apressam-se em dizer que “não há relação com o crime organizado”. O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, reforçou: “Até aqui, não há nenhum indício de participação do PCC”.
A contradição é clara. Quando o governo precisa justificar a ausência de resultados ou ampliar o investimento em segurança, o PCC é o grande vilão. Mas quando a situação foge ao controle e expõe falhas de fiscalização ou de inteligência, o mesmo governo se apressa em minimizar o papel da facção.
Tarcísio de Freitas, o engenheiro carioca que se tornou governador de São Paulo, parece ter encontrado no PCC um atalho político: uma explicação pronta para o caos e um argumento útil para disfarçar a falta de ação. O problema é que, enquanto o discurso cresce, os resultados encolhem. E assim, em São Paulo, tudo continua sendo PCC — menos a responsabilidade do governo.
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