O departamento jurídico da Ipiranga — do Grupo Ultra, gigante da distribuição de combustíveis — segue em silêncio absoluto sobre uma transação de R$ 110 milhões com os irmãos Salomão, na compra de postos de gasolina que, pasmem, estavam em nome de suspeitos de ligação com o crime organizado. O gerente Kléber Mascarenhas e o vice-presidente Guido Rogério Macedo Silveira Filho seguem mudos, como se essa história dissesse respeito a outra galáxia.
A operação mirabolante envolveu a Rede S3, ligada aos irmãos Salomão. Mas a Junta Comercial — aquela instituição burocrática e sem glamour, mas que ainda cumpre sua função — atestou que 40 contratos não estavam em nome dos irmãos, e sim de “laranjas” com ligações diretas com o PCC. Entre eles, Renan Cepeda, da Rede Boxter, e Vinícius Gritzbach, suspeito de ser sócio oculto dos Salomão. Gritzbach, aliás, foi morto a tiros no Aeroporto de Guarulhos. Coincidência? Pouco provável. Ele era investigado por lavar dinheiro para o crime organizado.
Diante disso, surgem perguntas incômodas. A principal: como uma operação desse porte, com cheiro de gasolina e lavagem de dinheiro, passou incólume pelo Ministério Público e nas investigações sobre o crime organizado? E por que o departamento jurídico da Ipiranga continua mudo, em silêncio obsequioso?

A Ultrapar — a holding que controla a Ipiranga — também tem explicações a dar. Foram R$ 110 milhões levantados no mercado financeiro brasileiro e na Bolsa de Nova York. Dinheiro público e privado que pode muito bem ter abastecido, segundo denúncias, o caixa paralelo do crime organizado. A empresa, até aqui, não informou se está na Justiça para desvincular sua marca dos postos administrados por pessoas ligadas ao PCC. Se entrou com ações, conseguiu esconder melhor que os contratos em nome de laranjas.
Chama atenção também a inércia da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), subordinada ao governador Tarcísio de Freitas, e do próprio Ministério Público, órgão independente, mas notoriamente sensível às pautas do governo.
Nada é investigado quando se trata das grandes companhias do setor de combustíveis — Ipiranga, Petrobrás, Raízen e Vibra —, todas elas principais mantenedoras do Instituto Combustível Legal (ICL), entidade que se apresenta como defensora da transparência, mas que permanece intocável diante de denúncias tão graves.
O Blog do Luchetti fez o que se espera de qualquer jornalista: enviou questionamentos formais às 9ª, 15ª, 33ª e 39ª Varas Cíveis, além da 1ª e 2ª Varas Empresariais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). Mas até agora nenhuma resposta.
As perguntas que se impõe são incômodas, mas inevitáveis: a Ipiranga blindou criminosos com R$ 110 milhões? Financiou, mesmo que indiretamente, os tentáculos financeiros do PCC? Afinal, Renan Cepeda é alvo da Operação Rei do Crime desde 2020. E foi citado, agora, na Operação Carbono Oculto, como operador do crime organizado. Os irmãos Salomão representam Renan Cepeda?
É verdade que Eduardo, Caio e Fábio Salomão surgiram do nada — sem herança conhecida, sem trajetória empresarial — e saíram da sede da Ipiranga em São Paulo com R$ 110 milhões no bolso e uma coleção de contratos em nome de terceiros? Alguém acredita em conto de fadas no mercado de combustíveis com os irmãos Salomão donos de cerca de 40 postos Ipiranga?
Mais perguntas foram feitas e encaminhadas ao TJ-SP: como contratos com valores até dez vezes acima do preço de mercado tramitaram sem qualquer objeção judicial? Como documentos da Junta Comercial, que negam a propriedade alegada pelos Salomão, podem ser contestados com base apenas em versões de sócios de um morto?
E como um depoimento policial sigiloso caiu nas mãos dos investigados antes de chegar ao Ministério Público? Algum profissional com um profundo e especializado conhecimento jurídico pode explicar?
A sociedade sabe que deverá ter uma resposta firme do Tribunal de Justiça de São Paulo diante de indícios de “lide combinada”, contratos suspeitos de fraude, valores inflados e vínculos com investigados da Operação Carbono Oculto, já que até agora, todos foram tratados como negócios comuns.
Só o Judiciário paulista, no entanto, está preparado para esclarecer, de forma definitiva, essa operação nebulosa que envolve a Ipiranga, os irmãos Salomão e o empresário oculto Renan Cepeda, suspeito de lavar dinheiro para o crime organizado?
Deixe um comentário