A indignação oportunista de Zezé Di Camargo com o SBT não é um gesto de coragem moral, tampouco um ato de coerência ideológica. É, antes de tudo, um espetáculo — daqueles ensaiados, calculados e oportunos.
Numa gravação feita de madrugada, o cantor decidiu pedir publicamente que seu especial de Natal, já gravado e contratado, fosse retirado do ar porque o presidente Lula participou da inauguração do SBT News.
Mas qual foi o motivo alegado? Uma suposta traição aos “valores” de Silvio Santos, o maior nome da história da televisão brasileira e fundador do SBT. O subtexto, porém, era outro: Zezé di Camargo usou da recorrente política como atalho para recuperar visibilidade. O problema não é a crítica em si. O problema é quem critica, quando critica e, principalmente, de onde vem essa indignação seletiva.
Em 2002 e 2006, Zezé não apenas apoiou Lula: subiu em palanques, participou de eventos e transformou a campanha petista em palco. À época, segundo reportagem da revista Veja, a empresa da dupla Zezé Di Camargo & Luciano recebeu mais de R$ 1,275 milhão da campanha presidencial.
E mais, segundo o Portal UOL, esse dinheiro corrigido chegaria hoje a quase R$ 5 milhões. Isso tudo Zezé recebeu do PT não por convicção ideológica, mas por “infraestrutura de shows”, com exigência de pagamento antecipado. Militância remunerada, com contrato e recibo.
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Duas décadas depois, o mesmo Zezé que lucrou com o PT tenta se apresentar como alguém avesso à política, chocado com a simples presença de Lula no SBT, num evento institucional de uma emissora privada. Mais do que isso: ataca as filhas de Silvio Santos, acusando-as de agir por dinheiro e de trair o pensamento do pai. A ironia é quase ofensiva. Falar em “dinheiro” e “princípios” sendo o Zezé Di Camargo, como foi, um garoto propaganda do PT.
Zezé di Camargo parece ser uma Regina Duarte de chapéu, violão e indignação sob encomenda.
A encenação lembra, e muito, o roteiro já conhecido de Regina Duarte. A eterna “namoradinha do Brasil” também resolveu, em determinado momento, trocar o conforto da carreira consolidada por uma aventura política temperada com vitimismo, contradições e frases que entraram para o anedotário nacional.
Durante seus breves 74 dias como secretária especial da Cultura no governo Bolsonaro, Regina oscilou entre o silêncio constrangedor e a fala desastrosa. Não assinou despachos relevantes, relativizou tortura, minimizou a ditadura militar, ironizou crises humanitárias e saiu do cargo comemorando, como se tivesse encerrado uma novela de sucesso — quando, na prática, protagonizou um fracasso político retumbante.
Assim como Zezé agora, Regina também se colocou no papel de injustiçada, perseguida pela imprensa e incompreendida pelo público. Também atacou antigos aliados, rompeu com o meio que a consagrou e tentou se reinventar como símbolo de uma causa política que parecia maior do que sua própria capacidade de sustentá-la. O resultado foi o mesmo: isolamento, rejeição e uma biografia manchada por declarações que resistem mal ao tempo e à memória coletiva.
Zezé Di Camargo segue exatamente esse roteiro. Um artista que já não ocupa o centro da cena musical, cuja relevância cultural diminuiu com o tempo, encontra na polarização política um megafone eficiente. O especial de Natal — que ele gravou, aprovou e vendeu — vira agora pretexto para um protesto tardio, moralista e profundamente incoerente. Quando os aplausos rareiam, a indignação vira estratégia. Quando a música já não basta, a política entra como refrão.
No fim das contas, Zezé não é exceção. É apenas mais um caso clássico de celebridade que confunde convicção com conveniência, crítica com autopromoção e passado com amnésia seletiva. A diferença é que, ao tentar posar de guardião da moral alheia, acaba escancarando a própria contradição. Como Regina Duarte, Zezé Di Camargo parece acreditar que o público esquece rápido. Mas há arquivos, contratos e vídeos — e eles costumam ter uma memória bem melhor do que seus protagonistas gostariam.


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