Em menos de três anos o mercado cervejeiro dos Estados Unidos passou por uma reordenação que misturou cultura, ações de marketing, estratégias empresariais e até efeitos da política pública. O que começou com um boicote que sacudiu a Bud Light, em 2023, abriu espaço para rivais — sobretudo a mexicana Modelo — que por sua vez viu vendas e expectativas financeiras caírem em 2025, quando a dona da marca, Constellation Brands, apontou que o endurecimento da política de imigração estava afetando consumidores hispânicos. Mais recentemente, a Michelob Ultra surfou suas próprias ondas de mercado e chegou ao topo das vendas. A espuma toda nos últimos dois anos movimentou as posições de liderança, mexeu nos balanços e repercutiu nas bolsas.
Em abril de 2023, uma campanha envolvendo a influenciadora transgênero Dylan Mulvaney desencadeou um boicote, principalmente entre o público tradicional e grupos conservadores, contra a Bud Light — então a marca mais vendida do país. A campanha fazia parte da estratégia de engajamento com público jovem, visando celebrar diversidade e inclusão e aproximar a Bud Light de consumidores da geração Z.
Analistas e estudos apontaram como a mistura entre marketing identitário e reação política/cultural pode fragilizar marcas, criando oportunidades imediatas para concorrentes crescerem nas prateleiras e no caixa. A lição, desde então repetida em relatórios de marketing, é que crises de reputação tem potencial para produzir deslocamentos sustentáveis de consumo, o que de fato aconteceu com a Bud Light perdendo o posto de liderança.
A Modelo Especial (importada pelo grupo Constellation) ganhou impulso e chegou a figurar no topo das vendas por varejo em semanas e trimestres ainda em 2023 e ao longo do ano passado. A trajetória da Modelo foi construída sobre três fatores principais: apelo da marca latina junto a consumidores hispânicos, estratégia de distribuição e preferência por cervejas importadas/premium. Porém, mais pressão na serpentina dos fermentados ainda ocorreria em 2025.
Em 10 de abril deste ano, a Constellation Brands disse publicamente, em contato com investidores, que o endurecimento das ações de imigração do governo Trump — incluindo operações e receio de deportações — estava “atingindo” gastos entre consumidores hispânicos, que representam parcela expressiva das vendas de marcas como Modelo e Corona. A empresa vinculou parte da desaceleração de demanda a esse clima de incerteza e preocupação entre sua base de consumidores.
O reconhecimento público de baixa nas vendas pela Constellation teve impacto nas bolsas com queda nas ações e a uma leitura mais cautelosa por analistas. Em paralelo, a Anheuser-Busch (dona da Bub Light e da Michelob Ultra) viu ganhos relativos em receita ao capitalizar a mudança de preferência por produtos fit/baixa caloria e por inovações na linha Ultra, contribuindo para reação favorável em seus resultados. A Michelob Ultra tem 95 kcal, enquanto a Modelo tem 145 kcal.
Dados recentes mostram que a Michelob Ultra ultrapassou a Modelo em volume de vendas, assumindo a posição de marca mais comercializada no país. As oscilações no mercado cervejeiro americano ilustram como o comportamento do consumidor é moldado por múltiplos fatores, não apenas aos reativos, como boicotes, mas também a questões financeiras, políticas e estratégia de marketing com apelo “saudável”. Como no ditado popular: “não há nada melhor do que uma cerveja gelada… exceto duas cervejas geladas”. No caso aqui, três disputando a preferência de quem se senta na mesa de um bar ou abastece o carrinho do supermercado.
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