No coração do De Young Museum, em São Francisco, na California, uma exposição leva o visitante para dentro da intimidade de um dos momentos mais icônicos da cultura pop: a ascensão meteórica dos Beatles. Mas aqui, o narrador não é um jornalista ou um fotógrafo profissional — é o próprio Paul McCartney, com uma Pentax pendurada no pescoço, registrando o “olho da tempestade” (em inglês: “Eyes of the Storm”), nome da exibição de fotos que vai até 5 de outubro.

Redescoberto em 2020, um conjunto de quase mil imagens feitas por McCartney entre dezembro de 1963 e fevereiro de 1964 mostra a banda de uma maneira diferente e curiosa, longe dos palcos e manchetes. Entre viagens de Liverpool a Paris, de Nova York a Miami, Paul documentou não apenas John, George e Ringo, mas também bastidores pouco conhecidos: as participações em programas de TV, a rotina de Freda Kelly, secretária da banda; a presença constante de Mal Evans, assistente e amigo; Tony Barrow, assessor de imprensa; e Bill Corbett, motorista. E, claro, o cerco implacável da mídia e dos fãs.
“Não estou tentando ser visto como um mestre da fotografia”, admite McCartney em depoimento nos murais da exibição. “Sou mais um fotógrafo ocasional que aconteceu de estar no lugar certo, na hora certa”. O que começou como curiosidade juvenil virou um exercício de olhar: ângulos inusitados, jogos de luz e composições pensadas. Técnicas que ele absorvia com atenção dos fotógrafos que acompanhavam as turnês, como Robert Freeman, autor das capas dos discos With The Beatles e Help.

Parte desse aprendizado teve um endereço certo: a casa da família Asher, em Londres, onde McCartney viveu por um período ao lado da atriz Jane Asher, sua namorada. Entre jantares e ensaios, ele explorava enquadramentos e iluminação com calma, longe do frenesi das turnês. Essa convivência com profissionais e a observação cuidadosa de colegas moldaram seu olhar, que mais tarde seria reforçado pela parceria com Linda Eastman, fotógrafa consagrada, esposa e mãe de sua filha Mary, hoje também fotógrafa.
O resultado, visto nas paredes do De Young, é uma narrativa paralela à história oficial dos Beatles. “Estávamos maravilhados com o mundo e com tudo aquilo que estava acontecendo conosco, e é algo que nunca perdi — esse senso de maravilha”, relembra Paul.
A escolha do De Young para sediar a mostra também tem simbolismo: foi na Bay Area que os Beatles abriram sua primeira turnê norte-americana em 1964, e dois anos depois, no Candlestick Park, fizeram o último show.

Miami em cores
A cronologia fotográfica de Paul muda radicalmente em fevereiro de 1964, quando o grupo desembarca em Miami para a segunda apresentação no Ed Sullivan Show. “As fotos em cores começam quando chegamos a Miami… era como se tivéssemos vivido num mundo preto e branco e, de repente, entrássemos no paraíso”, lembra McCartney.

Com o calor, o sol e o mar como pano de fundo, Paul trocou os rolos de filme preto e branco por coloridos, captando imagens vibrantes de dias de folga raros: mergulhos na piscina e no mar, passeios de barco, tentativas de esqui aquático e momentos descontraídos. Nessa breve pausa tropical, até os ternos deram lugar a camisas de toalha e bonés com a marca Beatles — um retrato em cores de um momento em que o furacão da fama dava, por instantes, lugar à leveza. “Por mais que o mundo amasse olhar para nós, nós amávamos retribuir o olhar”, finaliza Sir Paul McCartney.
José Roberto Luchetti é jornalista, escritor e sócio da DOC Press. Trabalhou nas emissoras Globo, Band e Rede Mulher, além da rádio Eldorado (atual rádio Estadão)
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