No último dia 3 de setembro, publiquei um artigo detalhando como a Ipiranga, braço de distribuição de combustíveis da Ultrapar, assinou em 20 de dezembro de 2019 cerca de 40 contratos com os irmãos Eduardo Luiz Salomão, Caio Luiz Salomão e Fábio Luiz Salomão, apesar de a própria Junta Comercial do Estado de São Paulo apontar que eles não eram os verdadeiros donos das empresas.
O valor do negócio impressiona: R$ 110 milhões, recursos captados em operações do Grupo Ultra tanto na Bolsa de Valores aqui no Brasil quanto na Bolsa de Nova York (NYSE). A justificativa oficial nunca veio, mas o contexto é claro: tratava-se de uma tentativa de recuperar a liderança de mercado perdida para a Shell, custe o que custasse.
O problema é que, segundo documentos oficiais e investigações da Justiça e da Receita Federal, os reais proprietários das empresas tinham ligações suspeitascom o Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa acusada por autoridades policiais e fiscais do Estado de São Paulo de usar o setor de combustíveis para lavar dinheiro.
Compliance que legaliza irregularidades
A transação não apenas ignorou os registros oficiais como foi chancelada pelo compliance da companhia. Em vez de prevenir riscos, o setor jurídico e de governança da Ipiranga teria atuado para dar aparência de legalidade a uma operação marcada por sócios de fachada e contratos de gaveta.
Parte dos contratos envolvia postos que nunca existiram ou ativos superavaliados em dez vezes o valor real, como no caso do Autoposto S3 Juntas, vendido posteriormente a investigados da Operação Carbono Oculto.
Apesar da gravidade, nenhum Fato Relevante foi publicado pela Ultrapar para os investidores no Brasil e nos Estados Unidos.
Contato frustrado com o jurídico da Ipiranga
Desde a publicação da denúncia, em 3/9, a Ipiranga não apresentou respostas oficiais. Para buscar esclarecimentos, entrei em contato com Kleber Farias Mascarenhas (foto do Linkedin) do departamento jurídico da companhia. Ele atendeu, ouviu do que se tratava, pediu para ligar mais tarde — e nunca mais retornou as ligações.

A ausência de respostas apenas reforça o silêncio estratégico da companhia diante de um negócio que levanta suspeitas graves: contratos milionários firmados com interpostas pessoas para evitar que os verdadeiros proprietários — suspeitos de ligação com o crime organizado — aparecessem nas transações.
As perguntas sem resposta
As questões abaixo foram encaminhadas à Ipiranga, mas até hoje não obtiveram retorno:
- Por que a Ipiranga assinou contratos com os Irmãos Salomão se uma simples consulta à Junta Comercial revelaria que eles não eram os verdadeiros donos das empresas?
- A Ipiranga analisou o Contrato de Gaveta dos Irmãos Salomão — Eduardo Luiz Salomão, Caio Luiz Salomão e Fábio Luiz Salomão — com pessoas ligadas ao crime organizado e suspeitas de pertencerem ao PCC, ou simplesmente confiou na palavra dos irmãos?
- Antes de assinar 40 contratos com os irmãos Salomão, a Ipiranga fez uma diligência prévia na Junta Comercial do Estado de São Paulo (due diligence)ou havia uma razão para desconsiderar a documentação oficial?
- A Ipiranga fez due diligence antes de investir R$ 110 milhões ou investiu apenas na palavra dos irmãos Salomão?
- Havia receio da Ipiranga de comprar os postos diretamente dos verdadeiros donos porque eram suspeitos de ligação com o PCC, motivo pelo qual transferiu os contratos para os irmãos Salomão?
- Foi o senhor que orientou o Grupo Ultra a publicar fato relevante nas bolsas do Brasil e dos EUA sobre os R$ 110 milhões repassados aos irmãos Salomão, mesmo sabendo que não eram os verdadeiros donos dos postos?
- Foi o senhor que auditou a empresa Fianza, companhia de seguro que deu cobertura financeira aos contratos assinados com os irmãos Salomão?
- Por que razão a diretoria jurídica da Ipiranga deixou para investigar a empresa que garantia os contratos apenas depois que o negócio já estava consumado?
- A Ultrapar está com ação na Justiça para retirar a marca da Ipiranga de postos administrados por pessoas com ligações com o crime organizado?
- Quantos postos ainda permanecem com a bandeira da Ipiranga sendo administrados por suspeitos de lavar dinheiro para o PCC?
Cabe neste artigo também dirigir perguntas diretamente ao Instituto Combustível Legal (ICL) e ao seu dirigente, Emerson Kapaz, que costuma demonstrar desconforto sempre que alguma irregularidade envolvendo seus associados vem à tona. Afinal, se o ICL se apresenta como guardião da ética no setor, não pode se omitir diante de práticas questionáveis de uma de suas principais mantenedoras, a Ipiranga.
- Como o ICL, que se apresenta como guardião da ética e da transparência no setor de combustíveis, explica o fato de uma de suas mantenedoras — a Ipiranga — ter firmado contratos milionários com sócios ocultos ligados a suspeitos de lavar dinheiro para o PCC?
- Se a Ipiranga despejou R$ 110 milhões em operações clandestinas jamais esclarecidas, o ICL não deveria se manifestar publicamente e prestar contas sobre como pretende zelar pela credibilidade e pela moralização do setor que diz defender?
Em tempo: A Ouvidoria da Sefaz continua ignorando os pedidos de informação sobre as visitas de representantes do ICL, como de Emerson Kapaz e do diretor Carlos Faccio à sede da Sefaz-SP, na avenida Rangel Pestana.
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