Servidores da Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP) relatam e denunciam que empresas estão sendo incluídas na Operação Carbono Oculto com base em critérios frágeis. Há companhias acusadas de vender diesel a usinas sem jamais terem comercializado esse produto, ou apontadas como compradoras de etanol de determinado grupo sem nunca terem realizado tal operação.
Outras foram envolvidas apenas por possuírem capital social de R$ 4,5 milhões — valor que coincide com a exigência mínima da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para atuar no setor, mas que não representa indício de irregularidade. Esse tipo de critério sugere mais uma triagem administrativa do que uma prova de crime.
Enquanto isso, grupos empresariais e sócios já denunciados formalmente em processos anteriores — com histórico de fraudes, adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro — foram poupados. Em vez de serem alvos prioritários, seguem operando livremente, muitas vezes abrindo novas empresas para manter os negócios.
Um episódio emblemático ilustra a fragilidade das informações que chegam ao Ministério Público. Uma empresa sofreu busca e apreensão sob a acusação de ser a maior compradora de produtos de uma fornecedora ligada ao esquema investigado. O detalhe revelador: a companhia nunca entrou em operação. Não emitiu notas fiscais, não realizou negócios, não movimentou o mercado. Mesmo assim, foi tratada como protagonista de um esquema bilionário.
Esse tipo de distorção gera duas consequências graves: arrasta inocentes para um processo devastador e, ao mesmo tempo, deixa de atingir quem de fato já foi flagrado em fraudes comprovadas. O Ministério Público precisa, urgentemente, apurar o que está acontecendo dentro da fiscalização da Sefaz-SP.
O paralelo com a Operação Ícaro
Esse padrão não é inédito. A Operação Ícaro, que estourou dias antes da Carbono Oculto, já havia exposto como auditores da alta cúpula da Fazenda paulista — subordinados diretos do secretário Samuel Kinoshita e do subsecretário Marcelo Bergamasco — manipulavam informações seletivamente para perseguir uns e proteger outros.
Naquele caso, auditores fiscais extorquiram mais de R$ 1 bilhão de grandes empresários, como os donos da Ultrafarma e da Fast Shop. Documentos e depoimentos mostraram como dados eram distorcidos para favorecer determinados grupos, enquanto outros eram usados como alvo para pressões e negociações.
A repetição do roteiro agora na Operação Carbono Oculto, com escala ainda maior e impacto nacional, é o que mais preocupa. Empresas sem ligação real com o núcleo criminoso aparecem na lista de investigadas, enquanto fraudadores já identificados permanecem fora do radar.
O risco da contaminação
Já foi citado que em maio de 2024, em Nova York, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) declarou que o Primeiro Comando da Capital (PCC)controlava 1.100 postos de combustíveis e já adquiria usinas de etanol no Brasil. Meses depois, em outubro, o promotor Lincoln Gakiya, referência nos inquéritos sobre a facção, desmentiu a versão: não havia PCC no setor de combustíveis, mas sim uma fraude tributária bilionária.
Um ano mais tarde, em setembro de 2025, a narrativa mudou. O Ministério Público paulista deflagrou a Operação Carbono Oculto, agora sustentando exatamente o vínculo com o PCC que havia descartado meses antes. O contraste é evidente e levanta uma dúvida inevitável: o que mudou de lá para cá — as provas ou a conveniência?
Repetindo. Não se trata de inocentar quem sonega bilhões em impostos, mas de exigir que o combate ao crime organizado seja conduzido com seriedade e provas consistentes. Se a Operação Ícaro já mostrou que a cúpula da Fazenda paulista é vulnerável a manipulações internas, a Carbono Oculto pode ser mais um capítulo da mesma fragilidade institucional, pelo menos é o que os servidores estão relatando.
O Ministério Público e a Polícia precisam blindar suas investigações contra as informações distorcidas que chegam da Sefaz-SP. Caso contrário, o risco é enorme: inocentes podem ser destruídos, enquanto os verdadeiros responsáveis — aqueles com histórico de fraudes já comprovadas — seguem fortalecidos.
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