Em maio de 2024, em Nova York, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) lançou uma acusação bombástica e de forte impacto político: o Primeiro Comando da Capital (PCC) teria 1.100 postos de gasolina e já estaria adquirindo usinas de etanol no Brasil (veja o vídeo no final do artigo). Era a senha para justificar uma cruzada contra o crime organizado e, de quebra, projetar a imagem de um governo durão, linha-dura e — claro — muito eficiente.
Poucos meses depois, o próprio Ministério Público paulista desmentiu a narrativa. Em outubro de 2024, o promotor Lincoln Gakiya, referência nos inquéritos sobre o PCC, declarou que a distribuidora de gasolina Copape — frequentemente apontada como elo da facção no setor de combustíveis — não tinha relação com o PCC (veja o vídeo no final do artigo). O que havia, segundo ele, era uma fraude tributária bilionária, liderada por Roberto Augusto da Silva, o “Beto Louco”, e seu sócio Mohamad Hussein Mourad. Era sonegação fiscal, não crime organizado.
Até aí, tudo parecia resolvido. Mas eis que, em setembro de 2025, o próprio Ministério Público paulista decidiu revisitar a tese arquivada e deflagrou a megaoperação Carbono Oculto — agora, vejam só, apontando justamente os vínculos com o PCC. A mesma história que o governador contou em Nova York. Aquela que o próprio MP havia descartado meses antes.
A cronologia é, no mínimo, curiosa: em maio de 2024, a denúncia foi arquivada pelo MP, com argumento de que se tratava apenas de crime tributário. Um ano depois, sem que tenham surgido novos fatos relevantes – pelo menos que se conheça – o caso se transformou em espetáculo policial. A pergunta que não quer calar: o que mudou de lá para cá? As provas ou a conveniência?
Operação Ícaro e Operação Carbono Oculto
E é aí que o enredo ganha contornos ainda mais cinematográficos. Dias antes da operação Carbono Oculto, veio à tona um escândalo bilionário de corrupção na Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP), envolvendo auditores fiscais da cúpula comandada por Samuel Kinoshita e por seu subsecretário Marcelo Bergamasco. Era a Operação Ícaro desvendando que mais de R$ 1 bilhão teria sido extorquido pelos auditores fiscais da secretaria dos empresários que comandavam empresas como a Ultrafarma e a Fast Shop.
Tarcísio manteve silêncio constrangedor sobre o caso, mas apareceu para colher dividendos políticos da ação do Carbono Oculto. As perguntas são inevitáveis: o espetáculo contra o suposto “PCC dos combustíveis” não teria servido para desviar a atenção do escândalo que atinge o coração da máquina arrecadatória estadual? E que atitude o governador vai tomar contra a inoperância do secretário Kinoshita e do subsecretário Bergamasco diante da corrupção de mais de R$ 1 bilhão dentro da SefazSP?
E tem mais. O pano de fundo político. Tarcísio escolheu, a dedo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa como novo procurador-geral de Justiça, ignorando os mais votados da lista tríplice. O escolhido, não por acaso, é ligado a Gilberto Kassab – uma figura cada vez mais influente no governo paulista. A nomeação fortaleceu a influência do governador sobre o Ministério Público, ao mesmo tempo em que desagradou aliados bolsonaristas. Não é coincidência que, sob essa nova liderança, o MP tenha revisitado a narrativa que favorece Tarcísio.
Repetindo: o que mudou entre o silêncio de 2024 e a operação de 2025? As provas ou a conveniência? Se em outubro de 2024 o promotor responsável pelos inquéritos afirmou categoricamente que não havia crime do PCC e sim crime tributário, de onde surgiram os elementos para dizer o contrário menos de um ano depois? O MP deve explicações transparentes.
Ministério Público poderia dar explicações?
Não se trata de inocentar empresários cujas práticas de sonegação lesaram e drenam o Estado em bilhões de reais. Mas é perfeitamente legítimo – e até necessário -questionar se a pauta do combate ao crime organizado está sendo guiada pelas provas ou pela conveniência política.
Quando investigações mudam de rumo conforme as necessidades do Palácio dos Bandeirantes, o risco é claro: o Ministério Público deixa de ser guardião e protagonista da lei para se tornar coadjuvante e avalista da narrativa política da cúpula do governo paulista no Morumbi.
Aos olhos da sociedade, o que está em jogo não é apenas o combate ao PCC, mas a credibilidade das instituições. E essa credibilidade não pode ser refém da conveniência política e do humor de um governador.
A comparação com Brasília é inevitável e se impõe. O ex-assessor de Alexandre de Moraes, Eduardo Tagliaferro, afirmou que uma operação autorizada pelo ministro contra empresários simpatizantes de golpe teria sido baseada apenas em uma reportagem do portal Metrópoles. Qual objetivo? Ocultar a motivação real. Em São Paulo, a Operação Ícaro prendeu o fundador da Ultrafarma, Sidney Oliveira e auditores fiscais da Sefaz-SP, revelou um esquema de corrupção bilionário no coração da arrecadação estadual do governo de Tarcísio de Freitas.
Diante desse cenário, a indagação é inevitável: será que a operação contra o “PCC dos combustíveis” foi apenas uma ação legítima de combate ao crime — ou mais um ato bem ensaiado para proteger o capital político do governador Tarcísio de Freitas?
Veja a declaração do Governador em Nova York:
https://drive.google.com/file/d/1I4pduBAEofqs6Akuhfa8eFAmNjqwosz5/view?usp=drivesdk
Veja o promotor afirmando que não tinha PCC na Copape no ano passado:https://drive.google.com/file/d/1Qo5aBpsek15yHkTPtApqS2KG3MGgumAL/view?usp=drivesdk


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