Home Office em Milão: o escândalo que o governador preferiu legalizar

Marcelo Bergamasco

Marcelo Bergamasco o subsecretário da SefazSP que prefere ser o chefe do home office da Fazenda de São Paulo na cidade de Milão, na Itália.

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Em vez de corrigir um abuso, o governador Tarcísio de Freitas preferiu oficializá-lo. No dia 9 de dezembro de 2024, dois meses após uma denúncia pública, no Blog do Luchetti, Tarcísio assinou um decreto-lei para impedir a exoneração do subsecretário da Receita Estadual, Marcelo Bergamasco Silva — o mesmo servidor que passou quase 100 dias em 2023 e mais de 60 dias entre março e agosto de 2024 trabalhando em regime de home office, direto de Milão, na Itália.

O decreto é a resposta do governador à omissão do secretário da Fazenda (SefazSP), Samuel Kinoshita, que não apenas nomeou Bergamasco para o segundo cargo mais importante da Receita Estadual, como ignorou as evidências de que o servidor público transformou Milão — onde vivem sua esposa e filhos — em sua verdadeira base de trabalho.

Além de ter acesso irrestrito ao modelo de home office internacional, Bergamasco também foi beneficiado com R$ 122.649,00 a título de verba indenizatória em 2023, prevista no programa “Nos Conformes” (LC 1.320/2018), um bônus mensal que representa 40% do salário dos fiscais ativos. Para receber essa gratificação, é obrigatório comprovar trabalho presencial por pelo menos 10 dias úteis ao mês, além de realizar diligências externas devidamente registradas. Nada disso foi observado. Bergamasco sequer estava no Brasil.

A Corregedoria, ciente do caso, conduziu um procedimento disciplinar e, em vez de punir com rigor, firmou com o subsecretário um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O acordo estabelece que, nos próximos dois anos, ele cumprirá “jornada exclusivamente presencial”. Como punição, é pouco mais que simbólica. E, segundo o próprio Bergamasco, nem altera sua rotina de trabalho: “Minha jornada de trabalho não se altera com a punição aplicada”, declarou ao Estadão.

O caso, revelado inicialmente pelo Blog do Luchetti, escancara o descolamento entre o discurso de “gestão técnica” propagado pelo governo estadual e a realidade nos bastidores da administração pública. Mostra também como a pandemia, que flexibilizou as formas de trabalho para garantir a continuidade dos serviços públicos, virou escudo para servidores de elite manterem conforto e privilégios incompatíveis com o interesse público.

Bergamasco é um auditor fiscal com salário base de R$ 23 mil mensais e que, ao longo dos últimos anos, viajou mais de 50 vezes para o exterior. Um de seus destinos favoritos é justamente Milão, onde mantém um apartamento de 103 metros quadrados, avaliado em cerca de R$ 1,5 milhão. Segundo denúncias internas, esse estilo de vida incompatível com os rendimentos funcionais chegou a ser objeto de investigação na Corregedoria, mas até hoje o resultado não foi divulgado.

A resposta institucional ao escândalo revela um pacto de conveniência entre o secretário, o governador e a alta cúpula da Fazenda paulista. Em vez de apurar com transparência, devolver os valores indevidos e rever a nomeação para o cargo estratégico, o governo preferiu editar um decreto que legaliza a presença de um subsecretário em solo estrangeiro — desde que, agora, ele apenas simule estar presencialmente em São Paulo.

Enquanto isso, outros servidores da elite do funcionalismo seguem a mesma trilha: trabalhando do exterior, com imóveis nos Estados Unidos e Europa, usando a máquina pública como ponte para uma vida paralela. Silenciosamente, o home office internacional se institucionalizou. E a gestão que prometia rigor técnico e eficiência, não só fecha os olhos — como ainda piora a situação, assinando embaixo e oficializando a irregularidade.

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