A tradicional confraternização de fim de ano da Associação Paulista do Ministério Público (APMP), realizada em 13 de dezembro, prometia nostalgia, rock brasileiro e aquele clima de “anos 80 que nunca acabam”. A atração principal anunciada era a famosa Banda Blitz. Só esqueceram de combinar com a própria Blitz.
Enquanto isso, os promotores – que conhecem cada parágrafo do Código Penal, cada vírgula do artigo 171 e cada atalho processual possível – pagaram alegremente R$ 490 por ingresso (ou R$ 980 o casal) para assistir a um espetáculo invisível. Sem Blitz, apenas o som ensurdecedor do constrangimento institucional.
A produtora oficial da Blitz, a Lemos, foi cristalina: no mesmo dia, a banda estava em Londrina, no Paraná, e jamais foi procurada para tocar no jantar paulistano. Ou seja, a Blitz estava em outro estado – e o golpe, aparentemente, bem perto.
O dinheiro da festa, segundo apuração, foi parar em um contrato com a Elbio Modolo Produções Artísticas e Serviços LTDA., empresa que responde a execuções judiciais que ultrapassam R$ 1,5 milhão. Um detalhe que, curiosamente, passou batido pelos especialistas em investigar a vida alheia.
O Ministério Público irá punir os responsáveis pela falsa contratação?
A pergunta que não quer calar – e que ecoa nos grupos de WhatsApp do próprio Ministério Público – é simples: os promotores de São Paulo vão até a delegacia do bairro registrar boletim de ocorrência por estelionato? Será que vão punir o promotor público responsável pela contratação da falsa Blitz com o mesmo rigor com que punem prefeitos, servidores públicos e autoridades quando cometem deslizes administrativos?
Vão pedir abertura de inquérito? Representar criminalmente? Denunciar? Ou o rigor costuma acabar quando a vítima é a própria corporação?
E mais: chamarão como testemunhas do engodo o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, André do Prado, e o todo-poderoso Gilberto Kassab – secretário de Governo e Relações Institucionais do governador Tarcísio de Freitas e presidente nacional do PSD –, ambos presentes no jantar sem Blitz?
Seria um depoimento histórico: duas das figuras mais influentes da política paulista confirmando, em juízo, que também esperaram, juntos com os promotores, pela Blitz, a banda.
Aliás, a trilha sonora da noite poderia ter sido o maior sucesso da banda: “Você não soube me amar”. Combina perfeitamente com a relação entre a APMP e a produtora contratada. Amor à primeira transferência bancária, abandono no palco e um silêncio constrangedor.

Em nota, a APMP afirmou que “lamenta profundamente o ocorrido” e que “adota as providências jurídicas cabíveis”. A mesma associação cujos membros, no dia a dia, não costumam lamentar nada antes de ajuizar ações, interditar ruas, derrubar cancelas e reinterpretar leis urbanísticas ultrapassadas.
Porque, enquanto bairros inteiros vivem sob o medo da criminalidade, recorrem a medidas legítimas de autoproteção e obtêm pareceres técnicos favoráveis da CET, o Ministério Público prefere gastar energia combatendo cancelas com base numa lei antiga, mal redigida e tão absurda que, se levada ao pé da letra, tornaria ilegal qualquer fechamento de rua da cidade – já que cada lado corresponde a uma “quadra fiscal” distinta.
Para isso, há blitz. Para fiscalizar moradores acuados, há rigor. Para proteger comunidades, não. Mas, para contratar banda para festa de fim de ano, aí parece que faltou investigação preliminar.
O Código Penal é claro. O artigo 171 define estelionato como obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo alguém em erro mediante ardil ou fraude. A pena pode aumentar quando a vítima é entidade de direito público. O texto é conhecido. Os promotores sabem de cor. Só resta saber se, desta vez, vão aplicá-lo com o mesmo entusiasmo que aplicam contra o resto da sociedade.
Porque uma coisa ficou evidente: quando a blitz (não a banda) é contra o cidadão, ela vem pesada. Quando a Blitz (agora sim a banda) era a atração principal, ela simplesmente não apareceu.


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