Há perguntas que um governador não pode evitar responder — e Tarcísio de Freitas deve essas respostas à sociedade paulista. O silêncio do Palácio dos Bandeirantes diante de uma sucessão de escândalos envolvendo a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) é ensurdecedor. E quanto mais o governo se cala, mais cresce a suspeita de que há algo a esconder.
Por que o atual secretário da Fazenda, Samuel Kinoshita, o subsecretário Marcelo Bergamasco e outros auditores fiscais de elite da Sefaz-SP mantêm uma relação tão próxima com o Instituto do Combustível Legal (ICL), uma entidade financiada por distribuidoras de combustíveis como Ipiranga, Petrobras, Raízen e Vibra, presidida por Emerson Kapaz?

O instituto se apresenta como defensor da “ética e da legalidade” no setor, mas seus próprios associados teriam comprado combustível de uma empresa que o próprio ICL denunciou por sonegação: a Petrozil Distribuidora. A mesma Petrozil que, segundo a Polícia Federal, teria sonegado mais de R$ 320 milhões em tributos. Que moral tem um instituto, como o ICL, para pregar combate à fraude enquanto seus mantenedores se beneficiam de negócios com sonegadores?
Ainda mais grave é o fato de o ICL ter pago R$ 1,9 milhão à consultoria Brasilis Kaduma (BK Consult), ligada à KW Participações, empresa que teve em seu conselho um ex-auditor da Fazenda paulista — amigo pessoal de Marcelo Bergamasco e ex-colega de Bergamasco na Sefaz-Rio, durante o governo de Wilson Vitzel. Por que o ICL contratou uma consultoria ligada a um servidor da própria Fazenda que fiscaliza o setor? Que tipo de serviço justifica um contrato de quase dois milhões de reais? Nenhuma explicação foi dada.

Enquanto isso, Bergamasco, o homem de confiança de Kinoshita, continua impune. Passou meses trabalhando em Milão, na Itália, e ainda recebeu R$ 122 mil em bônus que só deveria ser pago a quem cumpre jornada presencial e, em vez de ser punido, foi premiado com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)que mais parece um salvo-conduto. E o governador Tarcísio de Freitas, em vez de corrigir o abuso, assinou um decreto permitindo esse tipo de arranjo — legalizando o privilégio. O decreto de 9 de dezembro de 2024 é a institucionalização da impunidade.
A corrupção moral não se limita aos gabinetes. Em uma reunião do ICL, segundo denúncias da Coluna Esplanada, de Brasília, do jornalista Leandro Mazzini, houve vazamento de informações sigilosas da Fazenda. Dados que podem ter comprometido a Operação Carbono Oculto, deflagrada meses depois. Mesmo assim, o governo de Tarcísio de Freitas e o próprio Ministério Público não moveram nenhum dedo para apurar quem repassou as informações. Coincidência ou conivência?
E há o caso dos postos de combustíveis controlados por organizações criminosas. O próprio governador afirmou em Nova York que 1.100 postos estavam sob domínio do Primeiro Comando da Capital (PCC). Na Operação Carbono Oculto, quase 300 postos foram flagrados adulterando combustível e suspeitos de ligação com o crime. Se o problema é tão antigo, por que nenhum auditor da Sefaz-SP os autuou antes? Onde estava a fiscalização? Por que só a Polícia Federal e o MP agiram neste caso?
Não bastasse a omissão na Fazenda, o governador Tarcísio de Freitas mantém uma relação no mínimo incômoda com o Ministério Público. A escolha de Paulo Sérgio de Oliveira como chefe do MP ignorou a lista tríplice — ele foi o menos votado. O mais votado, José Carlos Cosenzo, teria sido vetado por Alexandre de Moraes? O governador deve à população uma explicação: por que escolher o menos votado? E por que o MP parece agir mais em defesa do governo do que da sociedade?
A teia de relações entre a Sefaz-SP, o ICL e o governo estadual forma um enredo perigoso, em que o interesse público parece ser o último da fila. Se o ICL, financiado por grandes distribuidoras, dita as pautas de combate à sonegação, e se auditores e dirigentes da Fazenda frequentam suas reuniões e recebem vantagens indiretas, quem fiscaliza quem?
O governador Tarcísio de Freitas deve explicações urgentes. A sociedade paulista quer saber:
– Por que o subsecretário Marcelo Bergamasco foi protegido com um decreto?
– Por que o ICL mantém relação próxima com servidores da Fazenda?
– Por que empresas associadas ao ICL compraram combustível de sonegadores?
– Por que o Ministério Público paulista parece agir sob conveniência política?
Enquanto essas respostas não vêm, fica a sensação de que, em São Paulo, o combate à corrupção e à sonegação virou uma peça de ficção. E o governo que se apresentava como técnico e eficiente começa a mostrar que, por trás da retórica, há um sistema de privilégios e silêncios sustentado pela conveniência dos poderosos.
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