Silêncio no Palácio dos Bandeirantes e na Sefaz-SP: restituição do ICMS deve sair das mãos dos fiscais após escândalo

Governador Tarcísio de Freitas, o secretário da Fazenda, Samuel Kinoshita, e o subsecretário de fiscalização da Sefaz, Marcelo Bergamasco. Os três, na charge, como na fábula dos macacos, não veja o mal, não ouça o mal e não fale o mal.

Por

O escândalo que sacudiu a Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz SP)— e que já levou para a cadeia empresários e auditores fiscais — encontrou no governador Tarcísio de Freitas, no secretário Samuel Kinoshita e no subsecretário responsável pela fiscalização, Marcelo Bergamasco, um silêncio constrangedor. 

A operação Ícaro, do Ministério Público paulista, não prendeu apenas figuras conhecidas do setor empresarial, como o dono da Ultrafarma, Sidney Oliveira, e o executivo da Fast Shop, Mário Otávio Gomes. Ela também algemou servidores de alto escalão da Sefaz-SP, acusados de operar um esquema de propinas milionárias.

O enredo é de envergonhar qualquer governo que se venda como guardião da moralidade. Artur Gomes da Silva Neto e Marcelo de Almeida Gouveia, auditores fiscais, são apontados pela investigação como peças-chave de um mecanismo que teria movimentado mais de R$ 1 bilhão em pagamentos ilícitos. 

Para quem não conhece o caminho da burocracia tributária, o funcionamento é simples: o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços – com Substituição Tributária (ICMS-ST), é pago antecipadamente por empresas. E deveria gerar restituições quando a mercadoria for vendida por valor menor que o estimado. Só que, segundo o MP, quem não pagava a propina não via um centavo de volta.

Os números assombram: um simples exemplo de uma mercadoria de R$ 10 mil, com ICMS-ST de 18%, paga R$ 1.800 de imposto, mas vendida por 9 mil, poderia render R$ 180 de restituição legítima ao contribuinte. Mas na prática, de acordo com a investigação, esse valor se transformava em moeda de troca para o enriquecimento ilícito de fiscais. A conta final é bilionária: mais de R$ 1,2 bilhão extorquido dos empresários.

Em meio à pressão de servidores — que esperavam ao menos um gesto de defesa da instituição e de seus quadros —, Kinoshita reuniu seus principais assessores e, segundo relatos internos, anunciou que a restituição do ICMS-ST passaria a ser feita exclusivamente online, sem qualquer contato direto com auditores. Uma medida que, na prática, reconhece a gravidade do problema e o risco que a presença humana representava nesse processo.

Enquanto isso, a blindagem política se impõe. Nenhuma palavra pública de Tarcísio ou Kinoshita sobre o impacto desse escândalo na credibilidade da pasta ou sobre os mecanismos de prevenção de novos episódios. Nenhum compromisso concreto de apuração ampla. Nenhuma defesa pública dos funcionários honestos que agora carregam o peso da desconfiança geral.

E enquanto isso, um dos principais acusados já se cerca de pesos-pesados da advocacia, como Paulo da Cunha Bueno, conhecido por defender Jair Bolsonaro. Movimentos para tentar apagar rastros também estão no radar: o MP-SP apura a contratação de empresa de cibersegurança pelo auditor Artur Gomes para, possivelmente, ocultar ou recuperar ativos ilícitos.

A Sefaz-SP, coração da arrecadação paulista, está sangrando credibilidade. E o governador, sentado em seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes, parece disposto a esperar que a ferida cicatrize sozinha — mesmo que a hemorragia seja bilionária.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *